Diz o poema de Manuel Bandeira com o título acima:
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Há pelo menos um ano ler o jornal é talvez a tarefa mais pesada do meu dia. Diante de tantas notícias sobre o número de infectados e mortos por COVID-19, sobra melancolia em mim. Foi pensando no poema de Manuel Bandeira que, na semana passada, decidi buscar notícias "cotidianas" no Washington Post, jornal que leio diariamente. Notícias como as de João Gostoso, que bebeu, cantou, dançou e partiu. Duas me chamaram a atenção. A primeira é sobre uma mulher que foi encontrada morta debaixo de uma pilha de lixo em sua própria casa em Nova York (NY). Evelyn Sakash tinha 66 anos, era designer de produção, ganhadora de um prêmio Emmy e colecionadora de lixo. A figura do colecionador de lixo é bastante comum nos Estados Unidos. São pessoas que compram tranqueiras sem parar e as acumulam dentro de casa. O que já foi tranqueira vira lixo junto com restos de comida (essas pessoas também têm dificuldade de jogar fora embalagens usadas e coisas do tipo). Tive um vizinho em Syracuse (NY) que acumulava lixo em seu carro e seu apartamento. Até hoje fico pensando em como ele entrava nos dois. O corpo de Evelyn foi encontrado pela irmã, que havia contratado um serviço de limpeza para tentar arrumar a casa. A empresa chegou tarde demais. A outra notícia é sobre tia Su Min, uma mulher chinesa aposentada de 56 anos que um dia acordou, largou tudo e começou uma viagem de carro de Hainan até Guilin (cerca de 500 milhas de distância). "Fui esposa, mãe, avó. Eu saí para me encontrar", ela conta. Nos últimos seis meses, Min tem dormido em uma tenda, tomado banho em chuveiros públicos e comido em estacionamentos. Não vê o marido desde que saiu de casa. O que afligia Min é um sentimento conhecido por qualquer mulher: o peso de uma sociedade extremamente patriarcal. Ela sofreu abuso físico e verbal do marido, que desaparecia por períodos longos e batia nela se era questionado sobre o seu paradeiro. A pressão social a impediu de pedir o divórcio. Ela se resignou a ser esposa, mãe, e avó -- e não Min. "Levei anos para entender que precisava viver para mim mesma", ela diz. A história de Min é sobre a capacidade que qualquer mulher tem de se reiventar, de nascer de novo, a despeito de todas as adversidades colocadas em sua frente. Min venceu.
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AuthorBeatriz Rey is a political scientist and a writer based in Washington, D.C. Archives
February 2023
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