A decisão do STF que torna o orçamento secreto inconstitucional foi muito celebrada no Twitter esta semana. O uso das emendas de relator-geral pelos congressistas nos últimos anos (com o aval do governo Jair Bolsonaro) é realmente nefasto: ninguém sabe bem quem mandou quanto dinheiro, com qual critério e para onde usando a rubrica RP9. Mas a decisão do STF não necessariamente enterra a possibilidade de se criar outro arranjo no lugar. Este texto argumenta que o balanço de poder entre o Executivo e o Legislativo mudou nos últimos quatro anos, já que o Congresso sai do governo Jair Bolsonaro empoderado. Diante dessa alteração, é possível que o Legislativo busque alternativas para manter sua nova prerrogativa orçamentária nos próximos anos.
O fortalecimento do poder Legislativo começou em meados dos anos 2000. Neste texto para o Wilson Center, conto como esse processo se deu em três frentes. O Congresso ficou mais forte como formulador de políticas públicas, contrapeso ao Executivo e definidor de política orçamentária. Importante para este texto são as reformas feitas em 2015 e 2019, que tornaram impositivas as emendas orçamentárias individuais e coletivas. Tenho insistido que até 2019, o fortalecimento se deu de forma institucional. Quando Jair Bolsonaro resolveu abrir um canal de diálogo com o Congresso na metade de seu mandato, encontrou um Executivo desprovido do leque ferramental do qual dispunha antes dessas reformas. Bolsonaro também não distribuiu cargos para aliados partidários para montar base legislativa. Diante desse cenário, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado se apropriaram das emendas de relator-geral para distribuir recursos a aliados do governo. O arranjo do orçamento secreto fortaleceu o Congresso de maneira não-institucionalizada, informal, já que tudo era acordado nos bastidores. Bolsonaro também abdicou de suas prerrogativas legislativas, o que só acentuou esse processo. A decisão do STF não necessariamente significa o fim desse tipo de arranjo, principalmente no longo prazo. Há quem argumente que o Executivo agora pode usar a rubrica RP2 para montar base legislativa. Como me explicou o especialista em emendas orçamentárias Rodrigo Faria, o governo Bolsonaro não usou essa ferramenta porque não compôs ministérios com partidos aliados (a distribuição desses recursos está atrelada aos ministérios). Ou seja: esse arranjo não necessariamente foi testado neste último governo. Pode ser que as verbas via RP2 sejam úteis nesse momento, já que Luiz Inácio Lula da Silva distribuirá cargos ministeriais a partidos aliado? Pode. Mas a distribuição de cargos em si pode não ser suficiente diante da ânsia de poder de um Legislativo que se fortaleceu muito ao longo dos últimos anos. Notem que há dois processos paralelos acontecendo aqui. O primeiro é o aumento do poder orçamentário do Congresso. O Legislativo quer mandar mais no dinheiro. O segundo é a redução do poder de barganha do Executivo, como consequência de tudo o que discuto acima. Diante dessas mudanças, fica difícil entender como se dará o jogo a partir daqui. Sérgio Praça escreveu que o Centrão deve receber mais cargos de confiança. Certamente. Mas não há garantia de que isso segure a ânsia dos congressistas. Segundo o Estadão, o mais provável é que os R$ 20 bilhões previstos para a emenda de relator-geral no próximo ano sejam repartidos igualmente entre os ministérios e emendas individuais. A existência de um governo disposto a coordenar processos de formulação de políticas públicas e barganha entre poderes pode fazer diferença nesse sentido. Ao contrário de Bolsonaro, Lula dá sinais de que quer retomar o protagonismo do Executivo. Resta saber o preço que os congressistas cobrarão para que isso aconteça.
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7/9/2024 01:04:00 am
The STF decision on the secret budget is a positive step towards transparency, but it might not be the end of the story. Congress has grown hungrier for control over the budget, and they might find alternative ways to exert their power. While the return of coalition building under Lula might appease some, it's unclear if it will be enough. The fight between the Legislative and Executive branches for control of the purse strings seems far from over.
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AuthorBeatriz Rey is a political scientist and a writer based in Washington, D.C. Archives
February 2023
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