![]() Eu gosto muito dos livros da Elena Ferrante porque ela retrata os homens como eles são: imaturos, egoístas e violentos. Sei que faço uma generalização com essa frase - meus dois irmãos, por exemplo, são o oposto disso - mas a verdade é que a massa dos homens pode ser descrita assim. Passei muito tempo esse ano tentando entender se havia alguma qualidade redentora em Nino Sarratore, o homem que consegue desestabilizar até a fortaleza chamada Lila Cerullo. Que Lenù se desestabilize por Nino é esperado. Lenù é ingênua, romântica, aérea. Lila não. Lila sabe onde pisa e pisa com a certeza de se saber quem é. Ela amedontra os homens. Em The Story of the Lost Child, o último livro da série napolitana, Ferrante escreve (em inglês pois só tenho os livros nesse idioma): “she was the terrifying woman who, stricken by a great misfortune, carried its potency with her. (...) Lila walked along the stradone with her fierce gaze, toward the gardens, and people lowered their eyes, looked in another direction”. Essa é a Lila que cai na fantasia que Nino Sarratore promete. A fantasia de um homem culto, sensível, misterioso. Não demora muito para Lila descobrir que Nino é só fachada. Por trás do cabelo preto enrolado e dos óculos pequenos está um adolescente imaturo e sem responsabilidade emocional. Nino passa pelas várias mulheres que aparecem nos livros da série napolitana como se elas não fossem mulheres, mas entidades fantasmagóricas. Quando Nino está tentando conquistar Lenù e acusa Pietro, o marido dela, de não apoiá-la profissionalmente, parece que ele, Nino, é um grande feminista. Mas quando está com Lenù, Nino sequer lembra que ela é escritora. O maior problema de Nino Sarratore talvez seja esse: ele despersonaliza cada uma das mulheres com as quais se relaciona. As bordas que definem as mulheres desaparecem. Lenù se sente burra ao lado dele. Ele faz com que Lila se sinta fraca. Escrever essas frases me deixa embasbacada porque as mulheres em geral sabem muito mais sobre a vida do que os homens. As bordas que formam as mulheres são fruto de amadurecimento precoce e constante (o que homens evitam a qualquer custo). O que Nino faz não é pouca coisa: ele desestrutura o produto do sofrimento de se ser mulher. E faz isso sendo um homem medíocre, medroso e incapaz de se responsabilizar por suas próprias ações. Ferrante escreve, “he was one of those adults who when they play with a child and the child falls and skins his knee behave like children themselves, afraid someone will say: It was you who let him fall.” Lenù e Lila sofrem para lidar com Nino, mas ao fim do último volume, aceitam que ele é o que se revela em suas atitudes (e não em suas palavras): amargo, intratável e sozinho. Nino chega aos 50 anos desassociado de qualquer relação humana que tenha algum significado. Ferrante diz: “Nino was what he wouldn’t have wanted to be and yet always had been”. Como herança, Nino deixou a Lenù uma filha, Imma. Nem a filha parece gerar compaixão no pai. Em um determinado momento, Lenù pensa ter gerado Imma com um fantasma. “He forgot about us - Dede, Elsa, Imma, and me - for a long period. He probably forgot about us as soon as I closed the door behind him”, diz Lenù. Nino tenta transformar as mulheres com as quais se relaciona em fantasmas, mas é ele próprio o fantasma. As mulheres seguem, vivas e lembradas. Os Ninos desaparecem pelo ar, como se nunca nem tivessem existido.
4 Comments
Aline
9/14/2024 05:25:48 pm
Amei
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Cláudia
10/12/2024 12:41:03 pm
Gostei muito da sua perspectiva. Obrigada!
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Observan
11/17/2024 05:14:44 pm
Texto bom.Discordo .Nino e um psicopata narcisista .Você apenas esqueceu de dizer que o modelo do pai que ele rejeitava ,ele sofisticou .Conheço pessoas de perfil semelhante e só me resta repulsa Ele é digno de inveja .Inveja dos assassinos nunca descobertos .A narrst8va é o cuidado para tecer esse tecido da personagem e talento da escritora .Mais do que uma ode zv de vingança.
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AuthorBeatriz Rey is a political scientist and a writer based in Washington, D.C. Archives
February 2023
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